Dom Mauro da Silva Gedeão, OSB
Os primeiros capítulos do Livro do Gênesis narram as origens do mundo e da humanidade. Há de considerar-se a existência de dois relatos da criação: o primeiro (1,1-2,4a), com o qual se inicia o Gênesis, foi considerado por muito tempo o relato mais antigo escrito na Bíblia. É provável que sejam de fato antigos os materiais e as tradições nele empregados. Porém os estudiosos provaram que sua redação é provavelmente uma das últimas escritas no Pentateuco. O estilo utilizado nesse relato é obra da escola sacerdotal (P); já o segundo relato (2,4b-3,24) é muito antigo e faz parte da tradição javista (J).
Ao longo de seis dias, criou Deus todas as coisas, em uma ordem de importância, com o poder criador de sua Palavra e pela ação de seu Espírito.
A primeira coisa que Deus chamou à existência foi a luz que ilumina e dissipa as trevas. Em seguida, houve a criação do firmamento, dos continentes e dos mares. A terra foi enriquecida com ervas e árvores frutíferas de toda a espécie. Depois, houve a criação dos dois grandes luzeiros: o sol e a lua, bem como as estrelas, possibilitando assim a fixação do calendário. Podemos vislumbrar essa grandeza ao contemplarmos nas belas manhãs de verão o astro luminoso a elevar-se no Oriente, clareando a terra, e, ao declinar-se, cede lugar à lua, bem como as estrelas, cintilando no azul celeste. Vemos assim, entre tantas coisas, a manifestação do esplendor da glória de Deus Pai.
As águas foram habitadas por seres vivos segundo a ordem do Senhor, e as aves voaram sob o firmamento do céu. A terra foi habitada por animais, feras e répteis segundo suas espécies.
Finalmente, Deus criou a obra prima de suas mãos, o homem, e dele a mulher, fazendo-os à sua imagem e semelhança, não apenas para dominar sobre a criação, senão principalmente para estar em comunhão com Ele. “Deus viu tudo o que tinha feito: e era muito bom”.
Na expressão “Façamos o homem à nossa imagem e semelhança”, podemos perceber, numa leitura cristã, a ação da Santíssima Trindade onde Deus Pai cria pela sua Palavra, na ação de seu Espírito.
Deus os abençoou e deu-lhes a ordem de serem fecundos e povoarem a terra, e submetê-la a seu domínio. Deus assim concluiu a obra da criação e, no sétimo dia, descansou de seu trabalho, abençoando-o e consagrando-o.
Ao narrar o descanso de Deus no sétimo dia, o autor sagrado tinha o propósito de transmitir ao homem que este também deveria descansar de suas atividades, santificando esse dia, lembrando-se que é apenas Deus quem cria todas coisas, e o não fazer do homem corresponde a não se equiparar a Deus.
Sempre que podemos contemplar a natureza e tudo aquilo que nos circunda, percebemos que Deus não apenas criou em determinado momento todas as coisas, mas também sustenta e mantém em harmonia todo o universo. Isso podemos constatar em cada manhã que se ergue, em cada criança que nasce e tem o hálito divino; em cada ser vivo que recebe a vida, bem como em tudo aquilo que podem alcançar nossa mente, nossos olhos e além.
Prosseguindo o relato da criação, até esse momento o homem e a mulher estavam em perfeita comunhão com Deus e D’Ele eram inteiramente dependentes, pois Deus tudo provera o que lhes era necessário. Contudo ocorreu uma desordem e instaurou-se um desequilíbrio. A mulher instigada pela serpente, o mais astuto de todos os animais criado por Deus, e levada por falsa promessa de serem quais deuses, provou do fruto da árvore da ciência do bem e do mal que Deus lhes havia proibido de comer, pois, no dia que isso viesse a ocorrer, morreriam. Tragicamente não deram ouvidos a Deus e desobedeceram às suas ordens. Imediatamente, os olhos se lhes abriram e perceberam que estavam nus, o que antes lhes era natural.
Ouvindo os passos do Senhor Deus que passeava no jardim do Éden ao entardecer, esconderam-se devido à sua nudez. Tais palavras nos relatam a intimidade existente entre Deus e nossos primeiros pais, visto que só mediante profunda intimidade alguém é reconhecido através de seus passos.
Também passamos pela experiência de nudez quando caímos no pecado e nos sentimos envergonhados e nus diante de Deus, desprovidos de sua graça, comunhão e intimidade.
Como consequência do pecado, coube à mulher ter sofrimento no parto e dar à luz em dores, e ao homem tirar da terra seu sustento com o suor de seu trabalho. Isso nos leva a refletir: sempre que o ser humano perde de vista que Deus é o soberano e sua única referência, ele se autodestrói.
Antes de expulsar o homem e a mulher do Paraíso, o Senhor Deus teve, contudo, compaixão deles e fez-lhes vestes de pele e os vestiu. E assim foram cerradas as portas do Paraíso.
Entretanto, Deus não deixou o ser humano ao abandono e está sempre em busca de sua salvação. De forma condensada vemos nos Escritos Sagrados que Deus fez aliança com Noé após o dilúvio. Escolheu para si um povo para se revelar, e tendo Abraão como nosso pai na fé, prometeu-lhe bênção, terra e grande descendência. Já em sua velhice, deu-lhe Isaac como descendência e a este Jacó, originando as doze tribos de Israel. Libertou seu povo do poder tirano do Faraó no Egito através de Moisés, que os fez passar pelo Mar Vermelho a pé enxuto rumo à terra prometida onde correm leite e mel. Esta terra foi apenas por Moisés avistada, mas nela não entrou por não haver dado crédito e obedecido à ordem de Deus que o mandou bater com seu cajado na rocha para dela sair água e saciar a sede do povo. Foi Josué, seu sucessor, que introduziu o povo na Terra Prometida.
Anunciou por intermédio dos Profetas a vinda do Messias que iria salvar seu povo do poder da opressão e da injustiça. Fato esse inaudito que se realizou na plenitude dos tempos quando o Verbo de Deus se encarnou no seio da Virgem Maria.
Em Cristo tudo é recriado, pois n’Ele vivemos, nos movemos e somos. Tudo foi por Ele e nada sem Ele existiria.
São Gregório de Nissa afirma que se há em Cristo nova criação, passou a antiga. Para ele a nova criação é o nome dado à inabitação do Espírito Santo no coração puro e irrepreensível, liberto de toda maldade, cobiça e ignomínia.
Tão grande pecado da desobediência, realizado por nossos primeiros pais, só poderia ser reparado pelo próprio Deus, que assumiu em tudo a condição humana, exceto o pecado. Pela sua obediência ao Pai, e cumprindo em tudo sua vontade, Cristo abriu-nos novamente as portas do Paraíso pelo mistério de sua paixão morte e ressurreição.
A Ele a glória e o poder pelos séculos sem fim. Amém.
Deus nos abençoe a todos.